O Tempo da Quaresma está aberto. Muitos podem
estar a indagar o que isso significa para nós. A princípio nos salta aos
ouvidos e olhos o aspecto dogmático deste tempo, como rito da Igreja Católica.
Então o que realmente nos cabe considerar neste tempo?
Há entre os estudiosos das religiões e também
entre os sacerdotes umbandistas e das demais raízes religiosas de origem
africana, duas interpretações. A maioria defende que os ‘Terreiros’ assimilaram
ritos e atitudes específicas neste tempo por influência do sincretismo
religioso com o catolicismo e por que muitos dos seus dirigentes vieram da
igreja romana. Outros defendem que o calendário que a Igreja Católica assimilou,
tem uma origem astrológica, que transcende os tempos e que essa origem ancestral
foi depois de assimilada, rechaçada pela própria Igreja, classificado como
paganismo. Nesse entendimento a instituição do Tempo da Quaresma seria bem mais
remota, assimilada ancestralmente pelas próprias entidades dos nossos Terreiros
e Cultos, independente da influência católica.
Mas o que é fato irremediável, no nosso
exercício humano, é que os dias, os momentos, os tempos assumem o significado
que nós atribuímos, ou seja, somos nós a grande massa de indivíduos encarnados
na Terra que plasmamos no astral, no decorrer dos tempos os ritos, rituais, as
cerimônias, os dogmas, as magias, os sacramentos, os fundamentos, cravados em
datas, em calendários. A vida tem o exato sentido e significado que assim damos
a ela. Na medida que nos organizamos espiritualmente, inspirados pelas Forças
Supremas, pelos Mistérios Sagrados, provocamos uma “arquitetura” das Forças
Universais e Criadoras, que assim também se organizam a nosso favor. E é por
isso que podemos dizer que “o Universo conspira a nosso favor”, e as forças
celestes, do Deus único se manifestam plenas em nossas crenças e
consequentemente em nossas rotinas dogmáticas, e nas nossas práticas de fé. Não
estamos sós e ocorre toda uma conjunção de forças e vibrações que se afinam e
entram em sintonia com nossas faixas vibracionais e conscienciais.
E é nesse contexto, que não nos cabe discutir
agora da onde veio, e a quem pertence a origem do Tempo da Quaresma. Mas vale
ressaltar que o ponto central desse rito reside na crença em Jesus Cristo,
sendo assim, é um Tempo considerado pelas religiões que se constituíram
cristãs. O que podemos analisar são os diversos significados que assim suscitam
deste Tempo. A começar pelo número quarenta, segundo Pai Willian d’Oxalá
(2012), “na Bíblia, o número quatro simboliza o universo material. Os zeros que
o seguem significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e
dificuldades. Portanto, a duração da Quaresma está baseada no símbolo deste
número na Bíblia. Nela, é relatada as passagens dos quarenta dias do dilúvio,
dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias
e Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto
antes de começar sua vida pública, dos 400 anos que durou a estada dos judeus
no Egito, entre outras”.
Assim,
o próprio nome diz: a Quaresma representa no calendário litúrgico cristão, 40
dias entre a quarta-feira de cinzas (em que os cristãos são cruzados com
cinzas, após a festa pagã do Carnaval, como um ritual de proteção e confirmação
de fé para o Tempo da Quaresma), até a Semana Santa (em que é rememorada e
vivenciada a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo na Terra). Se
considerarmos pela representação do Cristo, do advento mais próximo a atual
humanidade, a reflexão mais significativa seria a da analogia da Quaresma com
os quarenta dias de recolhimento de Jesus no deserto, em que o Mestre jejuou,
orou, e foi tentado pelo maligno, sendo confrontado à sua própria Essência e
Origem Maior, como nos conta o Evangelista Lucas (Lc 4,1-13). Alusivo a esta
passagem, os cristãos são convidados a um momento de recolhimento, a uma visita
ao seu deserto interior, as suas próprias tentações. O que antecede a Quaresma
é o Carnaval, uma festa considerada pagã, onde as dimensões de tempo são dilatadas
e prevalece a exacerbação da euforia. Um grande esmero e total desprendimento corporal,
como se prenunciasse inconscientemente a posterior clausura quaresmal.
Em
alguns Terreiros, vamos ouvir que “é o Tempo da Cara Preta”, não realizam as
Giras de Exu, ou na “Esquerda”, outros só abrem os trabalhos na Linha Branca,
ou só fazem Giras de Pretos Velhos, em outros as portas se fecham e os altares
são cobertos, como também o são em algumas Igrejas mais tradicionais, onde
todos os santos, andores e altares ficam cobertos com os panos roxos. Também
não ouvimos Cantos de Glória nas Igrejas e em vários Terreiros não ouvimos os
sons dos atabaques e nem da sinetas. É um respeitoso silêncio, mas que na
verdade busca prenunciar o nosso silencia interior.
Retomando
a idéia inicial de que há uma grande forma pensamento plasmada no astral neste
Tempo, podemos considerar que as Equipes do Plano Astral trabalham numa certa
densidade plásmica, onde muitos de nós, na sua viagem interior, contribuem para
essa tessitura astral, através de tudo que revisitamos em nossos pensamentos e
de todas as batalhas que travamos dentro de nós. E quantos de nós, em meio as
tentações, conseguimos dizer “não” ao que nos tenta, as nossas fraquezas? Ao
assumirmos que “nem só de pão viverá o homem” (Lc 4,4), estamos assumindo os
momentos de abstinência, de privações, de silêncio. Tudo para que o “Corpo” não
seja empecilho para o encontro com o “Espírito”. Assim, o jejum mais
significativo seria o jejum da palavra, o falar menos, ouvir, refletir e
meditar mais. Na trilogia representativa da Quaresma está: o Jejum, a Oração e
a Esmola – o dizimar-se ao outro, exercitando a espontânea e caridosa doação
para o desprendimento de si.
Como
nos diz um conhecido texto Medjugorje. Torino n.98, De Uberto Mori, “a
nossa ressurreição espiritual, a Páscoa do nosso espírito, deve ser precedida
da morte pelos bens do mundo. Morte do nosso natural apego a tudo aquilo que
constitui estes bens: os nossos desejos inconfessáveis, as nossas
tendências malévolas, o nosso egoísmo e a nossa soberba. Esta morte não é
fácil, necessita de preparação, tempo, constância, para retomar diariamente o
caminho. É uma experiência que dura toda a nossa vida, com vitórias alternadas,
com momentos de triunfo e momentos de fracassos.
Toda
a vida se torna por isso uma recorrente quaresma, que não se fecha em um tempo
em si mesma, nem tem uma intensidade uniforme, mas variante e fragmentada em
momentos de paixão, de ressurreição, de paz. Retenhamos por isso, as mensagens
dadas em todos os templos, para guiar, o nosso crescimento espiritual, e
destinada a todos que desejem seguir neste caminho, para que possam ser de
ajuda por toda a nossa vida, na nossa peregrinação terrena. Por isso, o que
importa é acolher em nossos corações as palavras que nos ajudarão a seguir o
Divino Mestre, nesta vida que é similar a uma longa quaresma, e que nos exorta
a oferecer ao Criador, os nossos sacrifícios em prol dos demais.
Devemos
meditar nestas palavras para podermos compreender, alguns dos significados, os
quais nos estimula a cumprir aquelas ações que certamente nos trarão o bem. A
imediata conclusão que tiramos é que os nossos sacrifícios ao Criador,
tornam-se para nós fonte de bem e podem ser transformados em bem o mal
que possa se apresentar.
O conceito religioso de sacrifício traz em si
uma idéia de oferta espontânea. O Divino Mestre, que se ofereceu em sacrifício,
representando em uma forma única e perfeita, a transformação do mal em bem, de
eficácia universal. Quando este sacrifício é voluntário, ele se torna missão
purificadora, expressão de íntima conversão do coração, e é por isso uma oferta
ao Supremo Criador do Universo”.
Que possamos assim enxergar o Tempo da
Quaresma como um Tempo de Oportunidade. Oportunidade de encontro, de conversão,
de desenvolvimento, de evolução de humanizar-se.
Mãe
Claudia
Casa
Amigos da Paz
Campos de Oxossi e Ogum